quinta-feira, 30 de julho de 2009

Memorex [001]

Era março, não lembro o ano, mas asseguro que o Galvão nem sonhava em gritar pelo penta - pois ainda esperava pelo tetra - e, principalmente, nem se conhecia o "caçador de marajá". A história a seguir é de um menino em seu dia de aniversário. Ah, a trilha sonora era do Palhaço Carequinha e também nem se conhecia Xuxa, apesar de Pelé já ter parado de jogar futebol.

A mania na rua era futebol de botão e, mesmo sobre o piso de casa, ele jogava com seus diversos times, nem que fosse sozinho. Os goleiros eram diferentes, feitos de caixas de palitos de fósforo (recheadas de pedra) ou pedaços de madeira cobertos com papel. O papel que vestia os goleiros era branco, para receber, de próprio punho, o número 1, a marca da camisa e até o nome do arqueiro. As traves, que o fabricante Gulliver chamava apenas de redes, só recebiam mesmo redes quando, em lugar do plástico, ganhavam véu branco, medido, recortado e colado cuidadosamente no esqueleto. O seu antigo campo era a parte de trás de um grande quadro de madeira, um pôster de divulgação que se tornara ultrapassado na loja em que o inventivo pai do garoto trabalhava. Era preto e servia também para escrever com giz.

O aniversário chegou e, ainda pensando em deixar de jogar no piso ou no campo verde que o vizinho monopolizava - talvez por ser o dono - veio a noite. A noite significava que o pai chegaria em breve e a ansiedade aumentava... enfim, ele chegou e, esperando na cozinha, o menino viu que suas mãos vazias vinham lhe abraçar. Mãos vazias?! Sim, seria impossível trazer o "Estrelão" sem ser notado.

Por um instante, tudo se confundiu e, de repente, o fim do dia do aniversário representava continuar jogando no piso ou sob os domínios do vizinho. Como treinaria para o próximo torneio de futebol de botão?

Desolado e recusando as promessas da amável mãe, correu pro quarto, sem esconder o choro e a decepção, pois nem era do tipo "pidão", que exigia presente ou ficava cobrando gentilezas, mas havia pedido aquele presente. Enfim, não pôde continuar chorando, nem mesmo deitar na cama, pois o campo estava lá. Sim, o "Estrelão". O "campo de botão" ocupando a cama, embrulhado parcialmente com papel de presente, papel que nem escondia o verde, assim como as lágrimas não escondiam a alegria daquele momento.

Era só alegria mesmo. Outros abraços de mãos vazias se seguiram e, de súbito, era a vez da gaveta! Ali estavam os times, os botões, os craques, fossem eles oriundos das Lojas Americanas ou do relojoeiro da esquina, eram os seus craques*.

A festa acabou? Que nada, era o começo da festa do menino. A ansiedade pela chegada do pai se foi e veio a espera pelo tal torneio. "Agora eu treino e ganho mais ainda", bradava o garoto.

* Na verdade, o craque era o menino mas, humilde e cheio de modéstia, a habilidade era transferida aos botões.

Bons tempos que não voltam porém, por enquanto, também não se vão.
Enquanto a memória os guardar, será assim.

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